insônias



o que te mantém acordado não são vendavais assustadores ou tremores continentais. não são hecatombes ou odisseias, não são leões nem centopeias. não são deslizamentos de montanhas que te seguram de olhos abertos. nem o avião ou presidente que cai, nem o ídolo mundial que se vai. nem mesmo a volta do cristo ou um apocalipse precoce, nem uma grande condecoração ou medalha de ouro sobre o coração. não é a prisão do século ou o inacreditável crime hediondo. não é nem mesmo o assassinato em primeiro grau, ou a nunca antes vista greve geral.
nada de questões imensas ou comoções a se ver da lua a olho nu.
o que te mete medo em segredo é um suspiro. um mísero suspiro com pouco ar. é este o medo. pavor de que a reciprocidade seja pouca, de que o abraço seja frouxo, o olhar seja vazio de presença, a pele não estremeça, o sangue ande, em vez de correr.
é isto, o que te mantém acordado, olhos estalados no teto imaginário que parecem ter colocado sobre os teus sonhos. um limite que te impeça de voar, ou um vôo solitário e sem testemunha. um adeus sem resposta, ou a falta do adeus. o adeus. o choro acordado de um pesadelo, sem ninguém pra consolar. o afeto sem eco, a ligação sem alô, a conquista sem partilha. estender a mão e, do outro lado, ninguém para tocar no momento de terror. o absurdo de superar um amor. a palavra violenta jogada sem cuidado. o silêncio que agride. o riso conveniente e a fala oca de gente.
as insônias que arrancam o sentido sem anestesia não se medem com réguas ou balanças. não valem ouro, não ameaçam títulos, não usam crachá de alto cargo. 

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são os suspiros que te mantém acordado.

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