Meu pedaço da cidade

ando pelas ruas do bairro quando o dia cai e a noite se levanta.
as casas parecem tão tranqüilas com suas luzes recém-acesas, cheias de reencontro e vozes brandas.
cheiro os cheiros das famílias: a janta caseira que quase traz o gosto de infância e proteção, os cachorros e o chega-pra-lá pouco ameaçador de seus latidos, as tevês ligadas para contar do mundo enquanto as famílias se contam, uns aos outros. 
há um silêncio acolhedor que vem das esquinas: a rua é agora testemunha e sorriso.
caminhando serena, me sinto acolhida pela vizinhança que, embora vazia, me conta em sussurros mansos as histórias de moradores que desconheço. sou parte desta família anônima que me traz tão perto e me faz tão em casa.
o asfalto, quente do dia de verão, agora refresca levantando o mormaço que parece receber a água fresca das chuveiradas anoitecidas.
imagino que, nas casas, casais se encantam com sua rotina simples; vizinhos comentam algum desencontro, irmãos, avós e tios visitam suas pessoas mais importantes. bebês recebem as mães do trabalho, com a pureza e entrega que só a alegria de recém-nascer é capaz.
enquanto caminho, sonho desperta com a saudade de felicidades que me tocam no ar, indefinidas e reais como o amor que parece pairar infinito pelo bairro nú.
sinto meu coração amar. um amar concreto e diluído, um amar irrestrito, como se as famílias guardadas em suas casas cuidadas fossem todas minhas. meu ser parece a todas cumprimentar, ainda que eu não veja.
alguns passarinhos ainda cantam causos antes de dormir, e o cheiro de grama úmida vem delicioso de algum chão que resistiu ao sol. se acaso passam carros, transitam com a calma de quem respeita a hora sagrada da chegada que acontece tranqüila, atrás de cada janela entreaberta. imagino para onde vão. levar alguém que ainda não chegou ao pouso de seu ninho? levar quem quer abraçar alguém que ama e dizer, sem usar palavra, que o dia é melhor por lhe ter por perto?
árvores acolhem antigos telhados e protegem, com seu aroma, cotidianos que não cansam de desenrolar-se outra vez.
ando pelas ruas do bairro, e nelas testemunho histórias e vidas, sem qualquer som que não o respirar dos poros descansados de minhas famílias.




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