A menina sem cabelos pendurados



A menina sem cabelos pendurados caminhava pela rua com uma insistente impressão de que todos sabiam. 
Eles certamente sabiam que seus cabelos despenduraram do dia para a noite. Se algum olhar encontrava o dela, como sempre cruzam-se olhares entre desconhecidos pela rua, sua mente era visitada pelo pensamento de que algum passante lhe interpelaria sobre os cabelos que despenduraram.   
Era estranha a sensação do despendurar. Uma leveza súbita, à qual ela não estava ainda acostumada, lhe tomava de assalto sempre que tocava a nuca, balançava o pescoço, ou buscava cabelos para ajeitar na parte de trás de cabeça. Era o costume ajeitar os cabelos, alguma coisa entre uma mania e um cacoete. Quase um ritual que intercalava um momento e outro.  
Parecia-lhe, por isto, que contava com um disfarce a menos. Que estaria defasada se avaliada comparativamente às outras, de acordo com os parâmetros de qualquer Ranking Oficial de Disfarces Femininos. A nuca nua lhe desconcertava, ao mesmo tempo que divertia. A nuca nua revelava muito. Havia revelado-se sem meias palavras, transformado-se em uma nuca despendurada. Era um caso evidente de independência da nuca. Ultraje.
A menina, no fundo assustava-se enquanto o vento lhe tocava a nuca com tamanha intimidade. Pensava indecências que não ousava confessar, e apenas em monólogos secretos permitia que revelações impronunciáveis ganhassem voz: se agora nem mesmo os cabelos lhe seguravam - céus (suspirava em abandono resignado) - quem o faria?  

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